terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A QUARESMA DE FRANCISCO DE ASSIS

"Sonhar a Páscoa, viver a Quaresma

'Era melhor teres vindo à mesma hora – disse a raposa [ao principezinho]. Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas é que hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito... São preciso rituais.' (Antoine de Saint-Exupéry: O Principezinho, Edit. Caravela, p 70).

Para além do 'jejum corporal'.

Francisco de Assis, o Sonhador de uma Páscoa sem fim para todos, sentiu a necessidade interior de arranjar o seu coração, de o vestir, de o pôr bonito” por uma série de Quaresmas. Quem ler a Segunda Regra que ele escreveu, ficará um tanto perplexo com as suas palavras:
'E jejuem os irmãos desde a Festa de Todos os Santos até ao Natal do Senhor. Mas a santa Quaresma que começa na Epifania e se estende por quarenta dias contínuos, a qual o senhor com o seu santo jejum consagrou (Mt 4,2), os que voluntariamente a jejuam, sejam benditos do Senhor, e os que a não quiserem jejuar, não sejam obrigados; mas jejuem a outra Quaresma até a Ressurreição do Senhor. E não têm os irmãos obrigação de jejuar noutros dias, a não ser à sexta-feira. Mas quando houver manifesta necessidade, não sejam obrigados a jejum corporal' (cap. 4).
Destaco alguns pormenores do texto, dignos de registro:
1 – A insistência na palavra/realidade 'irmãos';
2 – As várias Quaresmas na Fraternidade Franciscana;
3 – O respeito pela liberdade pessoal;
4 – A abertura de horizontes, para além do jejum corporal...

As várias 'Quaresmas' de São Francisco de Assis.

São Francisco fala de três Quaresmas. Mas ele ainda viveu e propôs outras. Seis, ao todo;
1 – A Quaresma da Epifania ou 'Santa', porque vivida e 'santificada' pelo Senhor Jesus (de 07 de janeiro a 15 de fevereiro);
2 – A Quaresma da Ressurreição do Senhor (de Quarta-feira de cinzas até à Páscoa);
3 – A Quaresma de São Pedro e São Paulo, como manifestação de amor à santa Igreja (de 20 de maio a 29 de junho);
4 – A Quaresma da Assunção de Nossa Senhora (de 29 de junho a 15 de agosto);
5 – A Quaresma de São Miguel Arcanjo (de 15 de Agosto a 25 de Setembro);
6 – A Quaresma do Advento ou da Encarnação (da Festa de Todos os Santos até ao Natal do Senhor).

Vivência, mais do que penitência.

Qual o espírito que animava o santo de Assis nestes 'tempos fortes'? Não tanto de penitência, mas de vivência do mistério a celebrar:
a) Do mistério de Cristo, unindo o Cristo da Encarnação;
b) E o Cristo da Paixão;
c) Do mistério de Maria, 'Virgem convertida em Igreja';
d) Do mistério dos Anjos e dos Santos, nossos intercessores;
e) E modelos de santidade.
O seu objetivo não era o afastamento, mas a comunhão. Por isso, o resultado traduz-se não tanto na austeridade de vida, mas na solidariedade e na partilha com todas as pessoas e criaturas. Sempre a partir da solidariedade com Jesus Cristo Crucificado, com quem, durante uma delas, ficou bem identificado interna e externamente ao receber, a 14 ou 15 de setembro de 1224, as cinco Chagas impressas no seu corpo.

As motivações do Santo.

São Boaventura, biografo e interprete espiritual de Francisco, deixou-nos as motivações profundas dessas Quaresmas:
A imagem de Jesus Cristo Crucificado nunca lhe saía do espírito, como o ramalhete de mirra da Esposa dos Cânticos; e na veemência do seu amor extático suspirava por transformar-se inteiramente em Cristo Crucificado.
Uma das suas devoções particulares consistia em se recolher à solidão durante os quarenta dias que se seguiam à Epifania, correspondentes àqueles que Cristo passou no deserto: recolhido na sua cela, reduzindo ao mínimo a comida e a bebida, dedicava-se sem interrupção ao jejum, à oração e aos louvores do Senhor. Congregava a Cristo um amor tão vivo, e o Bem-amado, em troca, mostrava para com ele uma ternura tão familiar, que o servo de Deus parecia sentir fisicamente diante dos olhos a presença contínua do Salvador, como por várias vezes confidenciou a companheiros. [...]
Dedicava um amor indivisível à Mãe de Jesus, por ter sido ela que nos deu por irmão o Senhor da majestade, e por meio dela termos alcançado misericórdia. Depois de Cristo, era nela que depositava mais confiança, e por isso a escolheu como padroeira para si e para os seus, e em sua honra jejuava com grande fervor desde a festa de São Pedro e São Paulo até à Assunção.
Também se sentia ligado por indissolúvel laços de amor aos espíritos angélicos, cujo ardor maravilhoso os lança em êxtase diante de Deus e inflama as almas dos eleitos. Por devoção para com eles fazia uma Quaresma de jejum e oração durante os quarenta dias que se seguem à Assunção da Virgem Gloriosa. “Ao Arcanjo São Miguel especialemnte, por ser ele o encarregado de fazer a apresentação das almas no céu, dedicava uma particular devoção, em virtude do zelo que o devorava em salvar todos os homens” (São Boaventura: Legenda Maior,cap. IX, nº 2 e 3 ).
Destaquemos o início e o final do texto: Jesus Cristo Crucificado – princípio e motor de toda a vida, oração e ação de Francisco; e salvar todos os homens – suprema aspiração deste missionário apaixonado de Cristo e da Humanidade. Só com estes dois pólos se entende a sua aventura revolucionária. Sem amor a Cristo e a todos os homens e mulheres, não se entende nenhuma das seis Quaresmas vividas por Francisco de Assis! Como tão-pouco se entende a Quaresma que nos é concedida para viver, mais uma vez, como 'o tempo favorável' e 'o dia de salvação'.

Para a nossa Quaresma

• As motivações de Francisco, na vivência das suas Quaresmas, foram:
• As mesmas que o Povo de Deus do Antigo testamento foi descobrindo para selar uma Aliança com o Deus Libertador;
• As mesmas que Jesus viveu e apresentou no Sermão da Montanha (cf. Mt 6,1-18);
• As mesmas que a Igreja nos propõe: esmola – como descoberta da partilha e solidariedade com os pobres; oração – como intimidade com Deus do Amor total e da Vida em abundância; jejum – como ideal de uma vida simples e respeitosa da Criação.

Nesta Quaresma, procuremos:

• Ler, com calma, o Evangelho de Jesus Cristo [...], como quem saboreia as palavras do Senhor;
• Embrenhar-nos no 'Ofício da Paixão', composto por Francisco de Assis para seguir no dia-a-dia os passos de Jesus Cristo, uma espécie de 'via sacra' antecipada [...].

Tudo isto, para:

'Arranjar o coração', extirpando todo o vírus, corrupção e violência;
'Vesti-lo' com os sentimentos de serviço e misericórdia que havia em Cristo Jesus; e
'Pô-lo bonito', com a beleza que nos vem da páscoa florida do Ressuscitado."

(Pesquisa efetuada na internet em 22 Fev. de 2009. Modificacoes feitas por Frei Flávio Nolêto, ofm http://www.capuchinhos.org/francisco/artigos/sonhar_pascoa.htm

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QUEM SOU

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Anápolis, Goiás, Brazil
Frade Franciscano Menor, da Província do Santíssimo Nome de Jesus do Brasil, licenciado em Filosofia pela PUC-GO, atualmente é estudante do Curso de bacharelado em Teologia, no Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás - Ifiteg, Diácono em transição e Animador Provincial do Cuidado das Vocações Franciscanas.